A ciência da curiosidadePara compreender a natureza é preciso contemplá-la. A frase, que até lembra um provérbio japonês, ajuda a entender o pensamento científico. Os pesquisadores levantam hipóteses, propõem experiências e enfim, chegam a uma conclusão. Tudo baseado no princípio da observação. Essa prática foi o que permitiu a Alexander Flemming descobrir a penicilina, em 1928. Por acaso. Ao acompanhar o desenvolvimento de bactérias, o inglês notou que um fungo invadira o material em estudo. Em vez de descartar o experimento, ele continuou a observar o fenômeno e encontrou ali a chave para a cura de diversas doenças infecciosas.
A ciência da observação
Esse olhar atento pode ser adotado por seu aluno ao explorar ambientes próximos da escola ou de casa. Poças d` água, jardins, o céu, a cozinha, um inseto que pousa na carteira: tudo pode servir de base para a formulação de um pensamento científico. Beatriz Duarte Palma, biomédica da Universidade Federal de São Paulo e professora de Biologia, diz que ainda há muitos professores que ignoram a observação natural e a experimentação como eixos estruturadores das práticas escolares. "As aulas de Ciências Naturais devem servir de oportunidade para os jovens desenvolverem a capacidade do olhar, que por falta de contato permanente com a natureza, acabou se perdendo", explica. Aliás, isso vale para qualquer disciplina.
A Ciência do cuidado
Toda vez que os professores trocam idéias e sugestões surgem oportunidades de fazer ligações entre as disciplinas. Foi assim que Luciana Chippari Brito, de Língua Portuguesa, descobriu o trabalho de Valter José de Almeida, de Ciências Naturais. Luciana estava ensinando aos alunos as particularidades de uma composição poética japonesa, o haicai, que sempre se refere a temas da natureza. O casamento foi perfeito. Ela levou a turma ao parque da cidade, propôs atividades de relaxamento e contato com as árvores. O objetivo era deixar aflorar as sensações, perceber o calor e as características dos vegetais que não podem ser observadas a olho nu (nem com microscópio). Ao mesmo tempo absortos e envolvidos, os alunos construíram versos com mais emoção e conhecimento.
Observar é uma atitude natural do homem
Os primeiros seres humanos já precisavam acompanhar as transformações de clima e temperatura para saber quando e onde teriam comida. Hoje, como levar os estudantes a compreender os ciclos da fauna e da flora se eles vivem entre quatro paredes? Beatriz responde: "Na prática, instigando-os, estimulando sua curiosidade e dando ferramentas para desenvolver o pensar".
A arte/ciência do cuidado com as árvores
O professor Valter José de Almeida, do Colégio Objetivo de Sorocaba, a 87 quilômetros de São Paulo, fez isso. Elaborou um projeto sobre árvores urbanas e seguiu um roteiro de atividades digno de um verdadeiro método arte/científico: observação, registro, comparação de informações, criação de hipóteses, experimentação e aplicação do que foi descoberto. A atividade que ilustra esta reportagem é apenas uma maneira, dentre tantas, de abordar esses aspectos nas aulas de Ciências. Os temas são infinitos: a respiração dos vegetais, a reprodução animal, as fases da Lua, o desenvolvimento de bactérias e fungos, a formação do solo... Tudo se encaixa nessa perspectiva didática. Beatriz lembra que os conteúdos podem ser trabalhados seguindo o método científico, ou parte dele.
O importante é desenvolver nos estudantes a capacidade de investigar, refletir, estabelecer conexões, classificar, integrar e comunicar percepções do mundo natural.
"No momento em que o aluno adquire a capacidade de observar, ele passa a fazer críticas, argumenta e levanta hipóteses sobre aquele acontecimento até chegar a um fim que satisfaça sua curiosidade.
Como funciona o "Programa árvores da minha cidade"
PASSO 1
Valter começou pedindo para que cada aluno de 6ª série observasse durante seis meses o ciclo de vida de uma única árvore escolhida pelo educando. Assim, aproveitou os conteúdos do currículo as partes que compõem uma planta e suas funções e propôs situações que levaram a turma a desenvolver uma pesquisa científica. "É vital a percepção in loco nessa atividade. As teorias são muito complexas e exigem abstração, o que é muito difícil no Ensino Fundamental."
Imagine se Valter optasse por escrever no quadro nomes como angiospermas, gimnospermas, dicotiledôneas, monocotiledôneas, corola e perigônio, comuns no estudo de botânica. O desinteresse seria geral.
Corretamente, ele lançou uma situação-problema: Como seria a cidade sem árvores?
"Os estudantes já tinham um conhecimento prévio e espontâneo. Apontaram que o ambiente ficaria mais quente, choveria menos e o ar seria mais poluído", lembra.
Percebida a importância das árvores, ele questionou quais seriam as espécies urbanas mais comuns em Sorocaba. A resposta foi o silêncio. Todos os alunos têm árvores em frente de casa, mas não sabiam reconhecê-las nem conheciam nome e características.Conclusão e aplicaçãoEssa aula inicial continuou na calçada da escola. A turma analisou a estrutura de uma árvore, colheu folhas e flores e registrou as informações no caderno, momento que não pode ser esquecido. "É a consolidação do que foi apreendido", explica Beatriz. Nessa etapa houve a observação dirigida e em grupo, além da coleta de material. Em seguida, a pesquisa continuou por meio de comparações, passo importante de qualquer experimento científico.
Na biblioteca, os estudantes leram sobre a anatomia das folhas e localizaram informações relativas à espécie estudada. Com a ajuda de um microscópio, descobriram as partes e a organização das flores. O aparelho, no entanto não é imprescindível. "Nada impede que a observação seja feita a olho nu. Basta desmontar uma flor e colocar os elementos que a compõem sobre uma folha branca", ensina Valter.
PASSO 2
O passo seguinte foi uma pesquisa individual. Cada criança escolheu uma árvore para ser analisada ao longo do ano. Munidos de câmera fotográfica, caderno e lápis, eles fizeram visitas constantes. Com um olhar minucioso, encontraram mudanças na cor das flores e folhas, nas condições do tronco e do solo e na temperatura do ar. "É importante alertar os alunos para as variáveis que influenciam o estado das plantas, como chuva de granizo, seca e podas", aponta a biomédica. Nesse ponto, se os livros não forem suficientes para identificar as plantas, não hesite em pedir ajuda a um mateiro. É interessante propor a comparação entre os trabalhos, estimular a discussão sobre a adequação do cultivo dos diferentes vegetais no ambiente urbano e as hipóteses que explicam a sobrevivência deles na cidade (leia o quadro abaixo). O registro feito por cada aluno transformou-se em livro e a aplicação do que foi aprendido deu-se no viveiro da escola. A turma cultivou dezenas de mudas de cabreúva e ipê-amarelo, adequadas a zonas urbanas, e depois todos foram plantá-las num parque sorocabano. O trabalho continua. Novas mudas estão sendo preparadas no viveiro e, neste ano, as árvores serão observadas durante os dois semestres. "Cheguei aonde queria. A moçada aprendeu que pode transformar positivamente o espaço e que a natureza é nosso bem.
Valter José de Almeida
Itapetiningano.
Biólogo e educador.
Formado pela UNESP (Rio Claro/SP).
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